Em 2016, a italiana Gisella Cardia comprou uma estátua da Virgem Maria em Medjugorje, um conhecido destino religioso na Bósnia, e a levou para sua casa em Trevignano Romano, uma pequena cidade a cerca de 50 quilômetros de Roma. O objeto, inicialmente comum, logo se tornou o centro de uma polêmica que mistura fé, ciência e acusações de fraude.
Cardia começou a afirmar que a imagem religiosa apresentava fenômenos sobrenaturais: além de "chorar sangue", a estátua supostamente transmitia mensagens espirituais. A notícia se espalhou rapidamente, atraindo peregrinos de diferentes regiões da Itália e do exterior. A casa de Cardia tornou-se um ponto de peregrinação e as doações - estimadas em milhares de euros - começaram a chegar.
Em 2023, no entanto, o caso tomou um rumo investigativo. O Ministério Público de Civitavecchia, uma cidade perto de Trevignano Romano, acusou Cardia de fraude após suspeitas de que o "sangue" no rosto da estátua era na verdade sangue de porco. Para esclarecer o mistério, amostras do líquido foram coletadas e submetidas à análise de DNA.
Os primeiros resultados, divulgados em 2023, indicaram que o material era de origem humana e pertencia a uma mulher. Agora, novos detalhes surgiram: testes de laboratório identificaram vestígios do DNA da própria Gisella Cardia no sangue da estátua. A informação, publicada pelo jornal italiano Corriere della Sera, reacendeu o debate.
A defesa de Cardia, no entanto, argumenta que a presença de seu DNA não prova fraude. Solange Marchignoli, advogada da italiana, destacou que é preciso determinar se o perfil genético é "simples" (ou seja, apenas de Cardia) ou "misto" (combinado com outro DNA). "Se for único, significaria que ela colocou o sangue lá. Mas se for misturado, seu DNA pode estar presente simplesmente porque ela segurou e beijou a estátua repetidamente ", explicou Marchignoli. A defesa pediu novos exames para esclarecer o ponto.
Enquanto a investigação judicial continua, a Igreja Católica já se posicionou. Em maio de 2024, a Diocese de Civita Castellana, responsável pela região onde vive Cardia, divulgou um comunicado após meses de análise. Uma comissão composta por especialistas em teologia, direito canônico, psicologia e estudos marianos concluiu que os fenômenos relatados "não têm caráter sobrenatural". O bispo Marco Salvi reforçou a decisão, afirmando que a avaliação considerou "a tradição da Igreja, a fé do povo e os dados científicos disponíveis".
Cardia, que nega as acusações, insiste em sua versão. Seu advogado reforça que o cliente "age com profunda fé" e "não tem nada a ganhar" com a situação. "Ela não é louca", declarou Marchignoli, em referência às críticas sobre a saúde mental do acusado.
O caso permanece aberto. Enquanto aguardam a definição dos testes de DNA, as autoridades italianas estão avaliando se há evidências suficientes para levar Cardia a julgamento. Enquanto isso, a estátua - agora apreendida - permanece sob custódia do Estado, longe dos olhos dos fiéis que antes acreditavam em seu "milagre".
Para muitos, a história ilustra o delicado equilíbrio entre crença e ciência. Para outros, é um alerta sobre como os fenômenos religiosos podem ser instrumentalizados. Independentemente do desfecho, o episódio já deixou sua marca: Trevignano Romano, outrora um destino tranquilo, viu sua rotina transformada por curiosos, céticos e devotos em busca de respostas.
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